O quadro " O Grito " tornou-se uma das obras-de-arte mais reconhecidas em todo o mundo só suplantada pela “ Mona Lisa " de Leonardo Da Vinci. Este último leilão veio comprovar esse fato. Mas o que tornará esta obra de arte tão famosa e apelativa? Será a misteriosa figura central do seu quadro? Será a dor intensa que este personifica ? Serão as cores tortuosas que nos tocam a alma? Será uma identificação que inconscientemente fazemos quando somos confrontados com a sua angústia ?
Ou adoramos "O Grito" por simplesmente ser um quadro humano. Terrivelmente humano. Humano no sentido em que nos toca, pois em algum momento das nossas vidas nos sentimos como a personagem. Como o artista. É-nos familiar.
Ao contrário de outras obras de arte que irradiam beleza mas igualmente uma certa plasticidade, um certo mundo de fantasia inatingível aos olhos do público, "O Grito" é profundamente emotivo. É, numa palavra, expressionista. É o auge do Expressionismo.
Edvard Munch é claramente um dos representantes máximos do movimento expressionista. Nasceu em Løten, na Noruega a 12 de Dezembro de 1863. Desistiu de estudar engenharia e decidiu ser pintor aos dezessete anos. Inscreveu-se na Academia de Desenho de Oslo em 1881, tendo logo nesse ano vendido dois quadros e pintado o seu primeiro auto-retrato. A morte, a efemeridade da vida e a melancolia atormentaram Edvard desde cedo. A sua mãe morrera quando tinha 5 anos e a irmã mais nova morrera com 15 anos. Foram traumas que sempre o acompanharam artística e pessoalmente. “ Pintei as impressões da minha infância, as cores esbatidas de um dia esquecido “, disse Edvard Munch.
Em 1893 pinta “O Grito”, incluído na série “ O Friso da Vida”. É uma obra efetuada em óleo, têmpera e pastel em cartão de pequenas dimensões: 91 x 73.5 cm. Há uma série de fatores que influenciaram Munch para a realização deste quadro. Desde já, um período em que esteve doente em Nice, em 1892. Edvard escreveu em seu diário o momento que por certo o inspirou a pintar a sua obra: “ Estava a passear cá fora com dois amigos, e o Sol começava a pôr-se - de repente o céu ficou vermelho, cor de sangue - Parei, sentia-me exausto e apoiei-me a uma cerca – havia sangue e língua de fogo por cima do fiorde azul-escuro e da cidade – os meus amigos continuaram a andar e eu ali fiquei, de pé, a tremer de medo – e senti um grito infindável a atravessar a Natureza “.
Outras fontes literárias serviram de inspiração a Edvard nomeadamente a obra de Fiodor Dostoievski, um dos preferidos do pintor, e do filósofo Soren Kierkegaard. Deste último, a citação que a seguir transcrevo encaixa perfeitamente na visão pictórica que o quadro nos dá: “ A minha alma está tão pesada que nenhum pensamento nunca mais a poderá elevar, nem nenhuma batida de asas a conduz ao alto para o espaço celeste. Se alguma coisa a mover de alguma forma, ela apenas raspará o chão, como um pássaro a voar baixo após a tempestade. A opressão e a ansiedade estão a meditar rancorosamente no meu interior, pressentindo um tremor de terra “. Por conseguinte o quadro transmite-nos uma angústia intensa, quase um ataque de pânico visual perante um céu sangrento que poderia simbolizar o coração desfeito, a esperança perdida e o desespero que Munch sentia e o seu expressionismo com mestria nos revela.
É curioso que existam várias versões diferentes deste quadro para além da obra de 1893. Em todas o carimbo emocional de Munch está presente para nos recordar que o lado negro da vida pode ser belo. Para além de "O Grito", outra obra-prima do pintor é o quadro “ A Madona” de 1894/95, fabuloso retrato enigmático de uma mulher. Uma imagem extremamente sensual e ambígua. Edvard Munch escrevera sobre o quadro: “ Aquele intervalo em que o mundo pára no seu curso – Toda a beleza do globo está na tua face- Os teus lábios enrubescem tal como o fruto que está para nascer rebenta como se estivesse em sofrimento - O sorriso de um cadáver - Agora a vida dá as mãos à Morte - A corrente está ligada, unindo milhares de gerações dos mortos às milhares de gerações dos que ainda estão para vir “.
Voltando ao nosso tema inicial. “O Grito”, como curiosidade, foi roubado em 1994 em plena luz do dia na Noruega, tendo a policia conseguido recuperá-lo após um primeiro resgate de 1 milhão de dólares. Voltou novamente a sê-lo em 2004 juntamente com o quadro "A Madona" . Apenas passados dois anos os quadros foram recuperados, mas com danos físicos consideráveis.
A versão vendida no leilão de Maio era no entanto de Petter Olsen, cujo pai foi amigo e vizinho de Munch. Segundo testemunhas no leilão «Sete candidatos lutaram por mais de 12 minutos antes de o martelo descer e estabelecer o novo recorde mundial».
Em 1944 Edvard Munch morre e doa a sua propriedade à cidade de Oslo, onde está instalado o “ Munch-Museum” criado para celebrar o centenário do seu nascimento. Passados 68, anos a consagração mundial indiscutível de Edvard Munch tem lugar em Nova Iorque, assim como a sua oficial imortalidade. A possível resposta ao fato de esta pintura ser tão especial é dada sob o som de um martelar seco, preciso, e sentenciada com uma palavra ecoando sobre a sala apinhada “ Vendido! ”.
«Na realidade a minha arte é uma confissão feita da minha própria e livre vontade, uma tentativa de tornar clara a minha própria noção da Vida…no fundo é uma espécie de egoísmo, mas não desistirei de ter esperança de que, com a sua intervenção, eu possa ser capaz de ajudar outros a atingir a sua própria clareza .» Edvard Munch
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