Benedito Calixto
Artista que, ao lado de Almeida
Júnior e Pedro Alexandrino, completa a tríade mais representativa das
tendências pictóricas em São Paulo nos fins do Séc. XIX e começos do XX.
Contato com a arte européia
Benedito Calixto nasceu a 14 de outubro de 1853 na Vila de
Nossa Senhora da Conceição de Itanhaem, e adolescente transferiu-se para
Brotas, onde pintou seus quadros iniciais. Incentivado pelos encômios, realizou
em 1881 sua primeira exposição, na sede do Correio Paulistano, em São Paulo. O
insucesso da mostra fê-lo abandonar para sempre a capital e buscar refúgio em
São Vicente, onde viveria praticamente o resto da existência e construiria boa
parte de sua obra.
Dois anos depois da má estréia paulistana, surgiu a Calixto a
oportunidade de estudar seriamente em Paris, a convite e a expensas do Visconde
de Vergueiro. O pintor, embora casado desde 1877, parte sozinho para a França,
freqüenta sem maiores motivações o ateliê de Raffaelli, cuja arte não aprecia,
e pouco depois transfere-se à Academia Julian, como aluno de Boulanger,
Lefebvre e Tony-Robert Fleury.
De Paris segue até Lisboa, onde por muito pouco tempo recebe
aulas de Silva Porto, tendo ainda freqüentado o ateliê de Malhoa.
Índios ao vivo, no fundo do
quintal
Retornando ao Brasil em 1885, Calixto é rigorosamente o mesmo
de quando embarcou: imune a influências, impermeável ao fascínio cultural da
capital francesa, permanece até o fim um isolado, praticando um tipo de pintura
do qual não se arredaria um milímetro, alheio a qualquer inovação ou renovação.
Quando descansa da pintura, é no passado histórico de São
Paulo que se refugia, ou então se volta para as estrelas, em sua paixão de
astrônomo amador.
Esse amor excessivo à História seria aliás nocivo ao artista,
que com escrúpulos de documentarista chegará a povoar de indígenas o quintal de
sua casa, a fim de mais fielmente pintar A Fundação de São Vicente, e que
fincaria no mesmo local gigantesco mastro, para ter uma idéia mais real de como
seriam as naus de Martim Afonso de Sousa, quando aportou em 1532 a São Vicente.
A arte industrializada
Outro fator negativo a conspirar contra a arte de Calixto foi
o elevado número de encomendas a que teve sempre de atender. Já Vítor Meireles,
em fins do século passado, referira-se ao "afogadilho com que pensa e à
rapidez com que executa o que pensa", acrescentando que, vivesse acaso
Calixto no Rio, tentaria corrigi-lo, "obrigando-o a pintar um trabalho
grande, durante dois ou três anos".
Para os últimos anos de vida, sobretudo, transformara-se
Calixto numa autêntica máquina de fazer quadros, como se pode observar desse
trecho de uma carta remetida em maio de 1919 a um comerciante que se incumbia
de lhe vender a produção:
«Peço-lhe o favor de tomar nota das pessoas que querem outros
quadros, a fim de que as mesmas se expliquem sobre o tamanho e o gênero que
desejam, bem como o ponto ou lugar que devo reproduzir.»
Na mesma carta, desencantado, acrescenta:
«Pouco ou nada me adianta, agora que já estou velho, a opinião
e conselho dos críticos sobre meus trabalhos. Desejaria apenas, que os jornais
dessem notícias dos quadros vendidos, etc., e mais nada, pois não preciso de
reclame.» Pedrina, filha e clone
Foi o isolamento em que viveu Calixto que o impediu de
participar com freqüência do Salão Nacional de Belas Artes, em cujos catálogos
o seu nome surge apenas duas vezes, em 1898 (medalha de ouro de terceira classe)
e em 1900. Também por isso não tomou parte, senão raramente, de certames
internacionais, como a Exposição de Saint-Louis de 1904, na qual conquistou
também medalha de ouro.
Mesmo escondido em São Vicente, nunca deixou de ser
prestigiado, como o comprovam os clientes e o avultado número de alunos, a
começar por sua própria filha, Pedrina Calixto Henriques, cuja pintura aliás é
subsidiária da sua, a ponto de muitas obras de sua autoria terem sido
metamorfoseadas inescrupulosamente em originais do pai; tarefa aliás muito
simples porque, além do mais, a artista assinava-se apenas P. Calixto, bastando
um traço recurvo ao P inicial para que surgisse a assinatura mais prestigiosa.
Pintura multifacetada
Calixto foi pintor de marinhas, paisagens, costumes populares,
cenas históricas e religiosas. Se durante a sua vida a tendência era
considerá-lo acima de tudo como pintor de história e religioso (gêneros esses
nos quais deixou abundante produção, inclusive na Catedral e na Bolsa de
Santos, no Palácio Cardinalício do Rio de Janeiro, na Igreja de Santa Cecília
em São Paulo e na Matriz de São João Batista em Bocaina), hoje costuma-se
conceder bem maior importância às cenas portuárias e litorâneas, nas quais
extravasa um caráter talvez rude, mas pessoal e profundamente sincero na
abordagem dos diversos aspectos da natureza.
Os quadros em que fixou o desembarque do café, no primitivo
porto de Santos, ao lado do seu aspecto puramente documental, revestem-se de
força expressiva, apesar da aparência algo dura das embarcações; por outro
lado, convém destacar certas cenas litorâneas ou ribeirinhas, em que a um
desenho algo ingênuo e a um colorido preciso aliam-se uma nítida preocupação
atmosférica e um grande respeito ao meio ambiente.
O artista faleceu a 31 de maio de 1927, em São Paulo, tendo
sido porém enterrado no Cemitério de Paquetá, em São Vicente. Três anos antes,
recebera do Papa Pio IX a comenda e a cruz de São Silvestre Papa, em recompensa
aos serviços prestados à Igreja com sua arte.
Benedito Calixto |
Batista da Costa
Batista da Costa é um exemplo da
força do destino, do poder irrefreável do talento e da atração irresistível que
o futuro exerce sobre o ser humano. Nasceu na semi-indigência e, para piorar as
coisas, seus pais morreram quando era apenas menino. Irriquieto e
indisciplinado, largou a tutela de seus tios e foi pedir asilo em um orfanato
para menores desamparados, onde era obrigado a se submeter a uma disciplina
ainda maior, tendo inclusive de usar uma farda que o identificava como órfão.
Pois foi nesse abrigo que seu talento começou a ser observado
e incentivado e, aos 12 anos de idade,
o matricularam na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, onde concluiu
o curso, seis anos depois.
Daí para diante, a carreira de Batista da Costa foi meteórica:
reiniciou os estudos com Almeida Júnior, que já havia sido seu professor na
academia; recebeu bolsa de estudos e passou nove anos na França, estudando com
os melhores mestres; voltando ao Brasil viu coroados seus esforços, ao ser nomeado
professor e, mais tarde, diretor da Escola Nacional de Belas Artes, tendo entre
seus alunos o jovem iniciante Cândido Portinari. (Paulo Victorino)
Texto do livro de Laudelino
Freire:
Um Século de Pintura (1816-1916)
[João Batista da Costa], paisagista, é, nesta especialidade, a
individualidade mais acentuadamente artística que possuímos.
Os que mais nela se distinguiram (Félix Emílio, Agostinho da
Mota, Augusto Muller, Vinet, Langerok, Vasquez, Caron, Parlagreco e outros)
nenhum se lhes iguala na revelação de qualidades de interpretação, colorido,
sentimento e objetividade, ao transportar para a tela o cenário brasileiro.
Nenhum o excedeu na sinceridade com que interpreta as infinitas nuanças do
nosso verde, das nossas árvores, das nossas florestas, das nossas paisagens,
sempre cheias de luz, de tons, de brilho e indizíveis encantos, nem da
sobriedade, no sentimento e na fidelidade com que se sabe reproduzir.
Possui, como nenhum outro pintor brasileiro, o supremo poder
de sentir a realidade e transmiti-la completa. Ao grande artista, tem cabido o
maior sucesso nas exposições anuais. Nelas percorreu toda escala de
recompensas, desde o prêmio de viagem, logo conquistado na exposição inaugural,
até a medalha de honra, somente a ele conferida até hoje.
É natural do Estado do Rio de Janeiro, nascido a 24 de
novembro de 1865. Iniciou seus estudos no Asilo de Menores Desamparados, hoje
Instituto Profissional Masculino, de que também é professor [1916].
Em 1885, transferiu-se para a Escola, onde foi discípulo de
Sousa Lobo, J. Medeiros, Zeferino e Amoedo.
Esteve na Europa de 1894 a 1897, matriculado no Ateliê Julian,
em Paris. Percorreu as principais cidades européias, tendo visitado os mais
importantes museus. Concluiu o tempo de pensionista na ilha de Capri, de onde
regressou em 1898.
A sua mais brilhante reprodução está representada nas
paisagens Fim de jornada, premiada com a primeira medalha de outo; Quaresmas,
da Pinacoteca de São Paulo; Tranqüilidade, [propriedade] de Laudelino Freire;
Saudoso Recanto, casa em que residiu o Barão do Rio Branco, em Petrópolis; A
Prisioneira, [propriedade] do Dr. Artur Lemos; Para a pesca. [propriedade] do
Dr. Osvaldo Cruz; Idílio rústico, [propriedade] do Dr. Emílio Grandmasson; A
caminho do curral, da Galeria Nacional; Manhã no alto da serra de Petrópolis,
entre muitas outras.
Merecem destaque, igualmente, Em repouso, com a qual alcançou
o prêmio de viagem; Um transe doloroso, premiado com a terceira medalha de
ouro; os Retratos de Prudente de Morais, Azevedo Lima, Rodrigues Alves, Sá
Freire, Francisco Sales; Pouca pressa, do Dr. Augusto de Freitas, etc.
João Baptista da Costa |
Antônio Parreiras
Antônio
Parreiras é natural de São Domingos, Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Estudou
com Jorge Grimm, juntamente com Hipólito Caron, Vasquez e Ribeiro. Muito cedo
se tornou independente nos estudos, que os fez por si.
Artista de superior talento, tem tido uma
carreira original, sempre isolado consigo mesmo, cheio de audácia, invencível
no esforço e com espantosa capacidade de trabalho. A sua obra é vastíssima,
desordenada, cheia, alternadamente, de luminosidades e descaimentos,
correspondentes à sua natureza impulsiva.
É um artista sui-generis em nosso meio:
combatido e invejado, mas nunca esmorecido. Tem feito entre nós cerca de trinta
exposições dos seus trabalhos, afora as que tem feito no estrangeiro. É um
vitorioso na colocação de seus quadros, podendo-se adiantar que é, talvez, o
mais abastado dos pintores nacionais e um dos raros que tem vivido dos
resultados da sua arte. Viaja continuamente pelo estrangeiro e tem, além do
daqui, um ateliê em París, onde várias vezes concorreu ao Salão.
Tem
tentado todos os gêneros. Começou por ser paisagista, dando-nos interessantes
quadros, como seja o seu Sertanejas. Mais tarde, depois de ter viajado para a
Itália, fez-se pintor animalista, produzindo Ovelha Ferida, Esperando o anzol,
Morte do Pastor, Carro de bois, etc.; fez-se pintor de costumes, como o atestam
Carnaval na roça, Lar infeliz, Saudades, Tormenta, Recordações do passado, Arte
e miséria.
Passou,
em seguida, a pintar o nu, dando-nos Fantasia, Pirinéia, Dolorida, Flor
brasileira e Nonchanlance [Displicência]; e, finalmente, hei-lo pintor
histórico, com as telas Conquista do Amazonas, Fundação de Niteroi, Fundação do
Rio de Janeiro, Fundação de São Paulo, Proclamação da República Riograndense, e
outros.
Antônio Parreiras |
Pedro Américo
A pequena cidade de Areia, do Estado da
Paraíba [AREIA PB, cid. (17.687 hab.) e mun. (28.140 hab.; 143 km2).
Microrregião Brejo Paraibano.], nasceu Pedro Américo, a 29 de abril de 1843.
Descendente de família de artistas, teve ainda, em proveito da precocidade das
suas aptidões, o esmero de uma educação que foi diretamente iniciada por seu
próprio pai, o violinista Daniel Eduardo de Figueiredo, que, "instruindo-o
nas primeiras letras e rudimentos da música, procurava contemporaneamente
satisfazer-lhe a sede de saber e desenvolver-lhe a vocação, cada dia mais
acentuada, para o desenho, pondo-lhe nas mãos a biografia dos mais célebres
pintores, ou livros e fragmentos que lhe pareciam ser apropriados ao preparo
intelectual do seu caro filho."
Dentro em
pouco, eram conhecidas na cidade paraibana as manifestações do gênio do pequeno
Américo, que todos admiravam com verdadeiro espanto.
"Em fins de
1852, chegou a Areia, em missão exploradora, o naturalista francês Louis
Jacques Brunet, homem de grande ilustração e amigo de Leverrier, de Lamartine,
de Dumas pai e outras celebridades da ciência e das letras. Ouvindo falar tanto
e com tamanha admiração do pequeno Pedro Américo, quis conhecê-lo pessoalmente
e foi procurá-lo à casa paterna.
"Tinha o
precoce desenhador menos de dez anos; sua timidez habitual cedeu prestes o
lugar à confiança que lhe inspiraram as maneiras insinuantes e as palavras
bondosas do sábio explorador, assim como ao interesse que, no seu juvenil
espírito, despertou uma pequena coleção de gravuras - cópias de quadros
célebres -, que lhe mostrara o estrangeiro, e que ele pôs-se a contemplar cheio
de pasmo.
"Depois
de examinar atentamente diversas paisagens e retratos feitos pelo pequeno, quis
o Sr. Brunet certificar-se da verdadeira habilidade deste, para o que, fê-lo
desenhar, do natural, um chapéu, uma espingarda e diversos outros objetos, que
Pedro Américo reproduziu fielmente. Então, manifestou o naturalista o desenho
de levá-lo em sua companhia como auxiliar, cujo concurso ser-lhe-ia precioso
para os estudos que ia empreender.
"Como era
natural, sentiu-se o Sr. Daniel Eduardo lisonjeado, mas de certo não
acreditaria na sinceridade daquela proposta se, poucos dias depois, não fosse
consultado pelo presidente da Província, Dr. Sá e Albuquerque, a respeito do
seu consentimento na nomeação de Pedro Américo para desenhador da comissão
exploradora, da qual era chefe aquele distinto naturalista.
"Quando
Pedro Américo soube da notícia e do consentimento paterno, - diz Luís Guimarães
Júnior - sentiu-se crescer cinco palmos, de súbito. - Explorar a província!,
exclamava ele consigo, sem poder dormir uma hora, na véspera da partida. Ver
árvores que nunca vi; grotas escuras e cheias de rumores desconhecidos;
pássaros novos, cantos, harmonias, borboletas, mistérios da natureza luxuosa e
esplêndida! - No desempenho dessa missão, que durou vinte meses, atravessou,
com o Sr. Brunet, que se tornara seu amigo e apreciador, toda a província da
Paraíba e parte das de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí.
"Em
dezembro de 1854, chegava Pedro Américo à cidade do Rio de Janeiro, obtendo
matrícula no Colégio Pedro 2º, por intermédio do Visconde do Bom Retiro. No ano
seguinte, iniciou na Academia o seu curso de arte. Aí, o jovem paraibano chamou
logo sobre si a atenção geral, tanto pela extraordinária inteligência, quanto
pela assiduidade e grande aplicação...
"Na
Academia, foram incrivelmente rápidos os seus progressos; não se passou,
talvez, um dia, sem que as mais robustas provas de um talento superior
deixassem de aumentar o grande conceito em que era tido por mestres e
condiscípulos, ou novos triunfos de enriquecer o seu cabedal de glórias
escolares.
"No fim
desse tirocínio inicial, possuía o estudante, como troféus de legítimas
vitórias, quinze medalhas de ouro e prata e diversos diplomas de aprovações com
louvor, prêmios obtidos em exames brilhantes ou em concurso com os
colegas."
Enquanto
estudante, pintou vários retratos e quadros, sobressaindo o Jesus da Cana
Verde, São Miguel, São Pedro ressuscitando a filha de Tabira, etc.
Em fins de
1859, seguiu para a Europa, onde se demorou até 1864, tendo freqüentado a
Academia de Belas Artes de París, o Instituto de Física de Ganot e a
Universidade de Sorbonne, onde foi discípulo de Ingres, [INGRES (Dominique),
pintor francês (Montauban, 1780 – Paris, 1867). Aluno de David, distinguiu-se
pela pureza de seu desenho. Principais obras: La Source, A Capela Sistina, O
voto de Luís XIII, A apoteose de Homero, A odalisca, O banho turco.] Léon
Coignet, Flandrin e Horace Vernet.
Depois de ter
permanecido em Paris três anos e meio, visitou muitas outras capitais
européias. Estando outra vez em Paris, aí encontrou ordem para voltar ao
Brasil, e a comunicação de ter concluído o tempo da pensão que lhe dava o
Imperador.
"Chegando
em 1864 ao Rio de Janeiro, alistou-se logo Pedro Américo no número dos que
disputavam a cadeira de desenho, que lhe foi concedida no meio de um concerto
de louvores do corpo docente acadêmico, do público, e de seus próprios
contendores. A sua tela - Sócrates afastando Alcebíades dos braços do vício -
atesta ainda a legitimidade desse triunfo.
"Cumpre
registrar uma curiosa e rara ocorrência motivada por esse concurso, diz Luís
Guimarães. O mais distinto dos pretendentes à disputada cadeira, o Sr. Le
Chevrel, vendo o quadro de Pedro Américo, declarou-se imediatamente vencido, e
disse aos juizes e examinadores quea escolha devia unicamente recair sobre o
autor da Carioca."
Nessa época,
pintou, além de outros trabalhos, o Petrus ad Vincula, pertencente à Igreja de
São Pedro, no Rio de Janeiro, diversos retratos, e deu os últimos toques na
Carioca. Em 1865, voltou para a Europa e, durante essa sua nova estada nos
centros europeus, pintou o - São Marcos, a Visão de São Paulo e a Cabeça de São
Jerônimo, além de outros quadros.
Defendeu teses
em Bruxelas, o grau de doutor em Ciências Naturais, depois de ter sido aprovado
"com grande distinção, em exame público que durou cinco horas. A solene
cerimônia, que se realizou na presença do Cônsul do Brasil, foi narrada pelo
Diário Oficial, o Independência Belga, o Eco do Parlamento e outros jornais, em
termos honrosíssimos para o laureado paraibano, cujo primeiro pensamento,
depois da vitória, foi regressar ao Brasil, onde iria exercer o seu magistério
na Academia de Belas Artes.
Ainda a
propósito da sua defesa de tese, transcrevemos, do excelente trabalho do Dr.
Cardoso de Oliveira, que tanto aqui nos tem servido, o seguinte: "O Diário
Oficial Belga de 16 de janeiro de 1868, assim noticiou o fato, que assumiu as
proporções de um grande acontecimento no mundo científico de Bruxelas, em um
honroso artigo que foi transcrito pelos outros jornais do País:
"Um publico numeroso assistia, quarta-feira última,
na sala magna da Academia da Universidade Livre, à defesa pública de uma tese
apresentada pelo Sr. Pedro Américo de Figueiredo e Melo, doutor em Ciências
Naturais... Quer na exposição, quer na discussão do seu trabalho, o candidato
deu provas de um talento muito notável, que lhe valeram, por muitas vezes,
aplausos do auditório. Decidiu, pois, a Faculdade das Ciências, por
unanimidade, que o Sr. Pedro Américo de Figueiredo e Melo passara essa prova
com a maior distinção, e conferindo-lhe, em conseqüência, o grau de adjunto à
Universidade de Bruxelas."
De regresso ao
Brasil, passou em Lisboa, em fins de 1869, hospedou-se na casa de Porto-Alegre,
então cônsul brasileiro naquela cidade, realizando o seu consórcio com uma das
filhas daquele cônsul. Em começo de 1870, chegou ao Rio, entregando-se ao
exercício da sua cadeira.
O período de
1870 a 1873 foi o da sua maior fecundidade artística. Pintou a Batalha do Campo
Grande, tela que figurou na Exposição Universal de Viena e pertence ao
Ministério da Guerra, no Brasil; Ataque da Ilha do Carvalho, os retratos de D.
Pedro 1º e D. Pedro 2º, por encomenda do presidente do Senado, o retrato
eqüestre do Duque de Caxias, a Ondina, e muitas outras telas.
A 19 de agosto
de 1872, o então ministro do Império, conselheiro João Alfredo, contratou com o
artista a execução de um grande quadro alusivo a qualquer dos grandes feitos de
nossa história.
[ALFREDO (João Alfredo Correia De Oliveira, dito
Conselheiro João), político brasileiro (Goiana, PE, 1835 - Rio de Janeiro,
1919). Formado em Direito (1858), foi deputado em sua cidade (1859) e
presidente das províncias do Pará e de São Paulo (1861). Deputado em quatro
legislaturas, senador (1877), ministro do Império (1871-1875 e 1877),
presidente do Conselho e organizador do gabinete de 1888, que aboliu a
escravidão no Brasil. Na República, foi diretor do Banco do Brasil.]
Pintou então,
Pedro Américo, o esboço da Batalha do Avaí, cujo quadro definitivo só pôde ser
concluído em 1877, em Florença, Itália, onde foi exposto. O artista, tendo
saído do Brasil em 1873, só chegou àquela cidade em 1874, depois de ter
permanecido meses em Lisboa.
Ao mesmo tempo
em que trabalhava no seu grande quadro, pintou o episódio do Passo da Pátria. A
Batalha do Avaí, diz o seu biógrafo, é incontestavelmente uma obra prima do
mestre brasileiro; e, no conceito universal, uma das mais notáveis da arte
moderna.
Contemplaram-na,
já bastante adiantada, os mais ilustres artistas e publicistas de quase todo o
mundo, reunidos em Florença, em 1875, durante as festas comemorativas do
centenário de Michelangelo, e voltavam para os seus respectivos países
espalhando a fama de Pedro Américo, que eles também tinham ouvido discursar em
duas línguas estrangeiras, diante do Mausoleu e do Davi do grande florentino.
Desde o Neva
até o Prata, celebraram os prelos a excelência do painel e os méritos de seu
autor, em centenares de artigos, alguns dos quais firmados por autorizados
escritores, proclamaram o pintor da Batalha do Avaí: um mestre inatingível, de
incomparável talento, o mais dotado e importante pintor dos nossos tempos e o
chefe da atual escola idealista da Europa. -
O governo
italiano ratificou este alto juízo, mandando colocar na sala dos pintores
célebres da "Galleria Nazzionale degli Uffizzi" o retrato de Pedro
Américo, exigindo que fosse feito por ele próprio. Por uma feliz coincidência,
tocou-lhe ficar colocado entre os de Ingres e Flandrin, seus antigos mestres em
Paris. O ministro da Instrução Pública da Itália, que por muitas vezes
solicitara a remessa desse retrato, agradecendo-a por ofício, acrescentou que
lhe era grato erigir-lhe aquele primeiro monumento.
Voltando a
Florença, continuou o grande artista a trabalhar incessantemente, sendo
numerosa a lista dos quadros que fez de 1878 a 1882. Eis os mais importantes: A
Batalha de San-Martino, Menina espanhola de 1600, Os filhos de Eduardo 4º de
Inglaterra, D. Inês de Castro, Judite e a cabeça de Holofernes, D. Catarina de
Ataíde, D. João 4º Infante, A noite acompanhada dos gênios do amor e do estudo,
Joana D'Arc, Menina pintora, Jocabed levando ao Nilo seu filho Moisés, O voto
de Heloisa, Moema, etc. Para a grande exposição de 1884, mandou muitos desses
quadros. Em princípios de 1885, seguiu para a França e, depois de algum tempo,
chegou ao Brasil, vindo de assumir o exercício da sua cabeça de desenho.
Em fins desse
mesmo ano, foi à cidade de São Paulo, com o intento de pintar uma tela
comemorativa da Proclamação da Independência. A 14 de janeiro de 1886 firmava o
contrato com o Governo do Estado para executar o trabalho dentro de três anos.
Voltou à
Itália e, no curto espaço de um ano, levou ao fim a execução do trabalho. Veio
ao Brasil fazer a entrega do quadro, a que denominou de Proclamação da
Independência, depois de tê-lo exposto em Florença, em 8 de abril de 1888. A 14
de julho desse mesmo ano, foi a tela entregue ao Estado de São Paulo.
Em começo de
1889, voltou à Europa, onde continuou a pintar vários trabalhos, entre os
quais, Voltaire abençoando o neto de Franklin, em nome de Deus e da Liberdade,
quadro que o artista veio pessoalmente, em 1890, oferecer ao governo de seu
país.
Eleito, nesse
mesmo ano, deputado ao Congresso Constituinte, por seu Estado natal, resolveu
deixar definitivamente a sua residência em Florença e vir para o Rio de
Janeiro. Daí em diante, só voltou ao velho mundo por motivo de moléstia. Na sua
predileta Itália, já melhorado, começou o artista, em 1893, vários estudos
históricos, concluindo o Tiradentes esquartejado, que trouxe para o Rio, onde o
expôs.
Ainda em 1893,
pintou A visão de Hamlet. De 1892 a 1895, produziu outros trabalhos, dentre os quais
citaremos o busto de muçulmano, intitulado Abd-ur Rohman e o Noviciado.
Em 1897,
pintou o quadro Honra e Pátria. Pintou, depois, a grande tela alegórica Paz e
Concórdia, que foi seu último trabalho. Este quadro orna o peristilo [PERISTILO
s.m. Arquit. Galeria de colunas isoladas, em torno de um edifício ou de um
pátio. / Conjunto das colunas da fachada de um edifício.] do palácio do
Itamarati.
Foi, Pedro
Américo, um pintor de batalhas, retratista, pintor decorativo, histórica e
pintor bíblico. Em que gênero mais soube acentuar a sua individualidade
artística? Onde mais conseguiu realçar o seu gênio: nas grandes concepções das
cenas bíblicas, na interpretação dos fatos históricos, ou nas disposições dos
grandes feitos bélicos? A resposta verdadeira será que foi grande em todos os
gêneros que buscou interpretar. Num, porém, se firmaram as suas extraordinárias
qualidades de artista. Foi o gênero bíblico. E isso mesmo ele o sentira e o
manifestara quando, em 1864, escrevendo a Vítor Meireles, assim se exprimiu:
"Minha
natureza é outra. Não creio dobrar-me com facilidade às exigências passageiras
dos costumes de cada época, que também são uma das fontes em que um talento
como o seu pode achar pérolas. A minha paixão, só a história sagrada a
sacia."
Não foi apenas
um pintor célebre. Foi também cultor de filosofia, homem de ciência, orador,
poeta e romancista. Em tudo, soube manifestar a superioridade do seu talento
privilegiado.
"Tipo
genuinamente brasileiro, escreve o distinto dr. Cardoso de Oliveira, de mediana
estatura, franzino, moreno e pálido, olhos e cabelos pretos, ar melancólico e
sereno, rosto expressivo e caracterizado por largas sobrancelhas, basto bigode
e uma inseparável luneta, tal é, em largos traços, o modesto aspecto físico de
tão grande vulto."
Pedro Américo
faleceu a 7 de outubro de 1905, na cidade de Florença.
Tendo o
governo do Estado da Paraíba pedido a entrega do corpo do seu grande filho,
foram os despojos mortais do artista transportados para a terra natal, que lhe
acaba de erigir um monumento.
Da sua vasta
produção, pertencem à nossa Escola de Belas Artes os seguintes quadros: Batalha
de Avaí, A Carioca, Joana D'Arc, Judite, D Catarina de Ataíde, D. João 6º,
Heloisa, A rabequista árabe, Virgem dolorosa, Jacober, David e Abisak,
Voltaire, Retrato do Conselheiro Lopes Neto e Sócrates afastando Alcebíades do
vício.
Pedro Américo |
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